
REPORTAGEM
PAUTAS TRANS
Na busca por garantia de direitos mulheres trans são atravessadas por algumas adversidades
EVASÃO ESCOLAR
"A educação me salvou e permitiu que eu me sentisse pertencente a sociedade". É dessa forma que a deputada estadual Dani Balbi (PCdoB-RJ) reflete sobre a importância da educação em sua vida. Porém, para algumas mulheres trans a trajetória educacional é marcada por adversidades que tornam a conclusão dos estudos quase impossível.

Muitas delas são obrigadas a passar por obstáculos além dos já comuns do crescimento, como a violência contra seus corpos, a dificuldade de acesso à saúde e o preconceito vivido no ambiente escolar.
Claudio Nascimento, presidente do Grupo Arco-Íris, organização não governamental criada com a missão de promover qualidade de vida e cidadania ao público LGBTQIA+, afirma que, por conta de toda privação dos direitos, muitas mulheres encontram na prostituição a única forma de sobrevivência e, por isso, acabam abandonando os estudos em algum momento da vida.
O reflexo disso pode ser visto nos dados, já que, de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra),
90%
das pessoas trans são profissionais do sexo.
Essas violências são evidenciadas através de dados, uma vez que, além de ser o país que mais mata pessoas trans no mundo, segundo a Antra, a taxa de evasão escolar desses jovens no Brasil, entre 14 e 18 anos é de 82%, de acordo com levantamento feito pela Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Ainda segundo a Antra, pessoas trans são expulsas de casa, na grande maioria dos casos, aos 13 anos, o que acaba contribuindo para que não deem continuidade aos estudos. Como explica Hailey Kaas, tradutora, pesquisadora e co-fundadora do portal Transfeminismo.

A busca pela liberdade de existir passa pelas salas de aula e a escola tem um grande papel no processo de construção de identidade.
A professora universitária e ativista Jaqueline Gomes de Jesus afirma que, para tentar conter a evasão e transformar a escola em um ambiente mais inclusivo é preciso agir, mas principalmente escutar o que pessoas trans têm a dizer, tanto alunes trans como professores.
(alunes - linguagem neutra)
Segundo Jaqueline, as escolas não têm opção, elas precisam ser inclusivas e comprometidas em educar e acolher.
Foto: Reprodução Internet
Ouça o áudio de Jaqueline

Para a ativista, é preciso sim fazer as mudanças através das leis e lutar pelos direitos assegurados a todos, mas a principal maneira de conter a evasão escolar é por meio do acolhimento desses jovens.
Trazer pessoas trans para dentro das escolas, permitir que elas possam usar o banheiro do gênero pelo qual se identificam e serem chamadas pelo nome social, são algumas formas de assegurar os seus direitos. Segundo Jaqueline, a percepção cissexista e transfóbica tira esse protagonismo e exclui pessoas trans do convívio coletivo.
Para a deputada Dani Balbi, as escolas precisam adotar mecanismos de promoção da diversidade desde o ensino fundamental e assim fazer com que o debate sobre esse assunto esteja na vida das crianças desde a primeira infância.

A INCLUSÃO PRECISA SER DESEJADA E CELEBRADA
- Dani Balbi.
Quando o respeito, segurança e ações de combate à discriminação não são prioridade, as agressões na escola, e até mesmo dentro da própria casa se tornam insuportáveis.
Para Hailey Kaas, o termo certo deveria ser "expulsão escolar", já que esses jovens se veem obrigados a sair da escola por causa das violências. A ativista cita alguns exemplos que contribuem para essa incidência.
Em 2005, um estudo feito por um grupo de pesquisadores na parada do Orgulho Gay de São Paulo, revelou que dos 629 entrevistados, 26,8% já tinham sido marginalizados por professores e/ou colegas de escola ou faculdade. Além disso, a Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil, realizada pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais em 2016, mostrava que a realidade dentro das escolas continuava alarmante pois:
cerca de 60,2% dos estudantes LGBT se sentiam inseguros na escola por conta da sua orientação sexual e 42,8% pela sua expressão de gênero.
(Não foram encontradas informações mais recentes sobre o assunto)

As que conseguem superar todas as dificuldades da escola, continuam encontrando resistência e preconceito no ensino superior.
Até o momento não existem leis que garantam cotas para pessoas trans nas universidades no Brasil e, de todas, apenas seis oferecem cotas para a comunidade: Universidade Estadual da Bahia (UNEB), Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); Universidade Federal do ABC Paulista (UFABC), a Universidade Estadual do Amapá (UEAP) e a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Esses dados se tornam ainda mais urgentes quando percebemos a ausência de pessoas trans dentro desses espaços, pois, segundo informações coletadas em 2022 pela Antra, apenas 0,02% estão na universidade.
Erika Hilton, deputada federal (PSOL-SP), afirma que o processo de democratização do Ensino Superior é de extrema importância para a população como um todo, mas que precisa atingir também pessoas trans.

Foto: Reprodução Internet
Esse é um dos motivos de eu estar no Congressso, para a elaboração de políticas públicas diretas, como as cotas trans, ou indiretas, como meu primeiro projeto aprovado na Câmara, que cria a Política Nacional de Trabalho Digno e Cidadania para População em Situação de Rua, a fim de promover acesso ao trabalho, à qualificação profissional e à elevação da escolaridade, que inegavelmente beneficiará também pessoas trans e travestis.
- Erika Hilton.
Assim como Erika, a deputada estadual Dani Balbi também tem como pauta em seu mandato atender as necessidades da população trans no meio acadêmico. Em fevereiro de 2023, a deputada protocolou, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, um projeto de lei que prevê cotas de 3% para pessoas trans nas universidades do Rio. São elas: a UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), e a UENF (Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro).
Para a deputada estadual Linda Brasil (PSOL-SE), a criação das cotas é importante, porém, atrelado a elas, é preciso existir políticas de ações afirmativas para que a vivência de pessoas trans seja livre de qualquer violência nesses espaços.
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RECORTE RACIAL E VIOLÊNCIAS
Em relação às existências trans, existe um fator determinante para que algumas mulheres enfrentem maiores adversidades do que outras: o recorte racial.
Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em 2023, dentre os casos de assassinato de mulheres trans, em que foi possível identificar a identidade racial da vítima, constatou-se que 76% eram negras - pretas e pardas.

"As informações levantadas nos últimos anos nos revelam que uma pessoa trans apresenta muito mais chances de ser assassinada do que uma pessoa LGB cisgênera (Lésbica, Gay, Bissexual ou Assexual). Porém, essas mortes acontecem com maior intensidade entre travestis e mulheres trans, principalmente contra negras."
Dossiê Antra, 2022.
Para Dani Balbi, a transexualidade ainda é vivida com muita dureza e com dificuldade por todas as mulheres trans, mas ela identifica maiores obstáculos por ser uma mulher preta.
Para a psicóloga, professora universitária e ativista, Jaqueline Gomes de Jesus, os padrões de precarização são maiores para mulheres trans negras e que, o preconceito vivido por elas é potencializado pela transfobia.
Ouça:

Já Erika Hilton acredita que tudo vem da base, já que a chance de uma mulher trans branca ter tido uma infância mais privilegiada garante a ela acesso a espaços nos quais ela será melhor aceita. Por isso, a chance de ser morta nas ruas pode ser menor.
Porém, isso não exclui a possibilidade da mulher branca ser expulsa de casa, momento em que esses privilégios perdem força. A deputada diz ainda que a comunidade trans está cada vez mais ciente desses privilégios e muitas vezes os utilizam para ajudar quem não os têm.
E em 99% dos casos, seja uma trans branca ou uma trans negra, o que este país que vivemos hoje reserva a elas é a violência, negação de direitos, subrepresentação, as esquinas, ataques e intolerância. O que pode mudar é a intensidade e a frequência desses fatores
- Erika Hilton.
A ativista Hailey Kaas acredita que o racismo está enraizado na cultura brasileira e acaba refletindo nas pessoas trans.
Quando são mulheres trans e travestis a possibilidade de sofrer um ataque de ódio é ainda maior por causa do trabalho com o sexo e a hipersexualização de seus corpos.

Vale ressaltar ainda que, de acordo com dados do Trans Murder Monitoring da Transgender Europe (TGEU), a América Latina é responsável por 70% dos assassinatos de pessoas trans no mundo e o Brasil, por 33% dessas mortes. Quando analisado o gênero dos óbitos, é possível notar que 94% dessas vítimas são travestis e mulheres trans e 48% trabalhavam com sexo.
Para a deputada Dani Balbi, a garantia de direitos para mulheres trans vai além do recorte racial, criação e aplicação das leis. É preciso entender as particularidades de cada corpo feminino.
Segundo o presidente do grupo Arco-íris, Cláudio Nascimento, para falar sobre gênero e raça entre os LGBTQIA+ é preciso entender a diferença entre comunidade LGBT e movimento organizado LGBT.
O presidente da organização acredita que é importante ter pessoas como ele, um homem gay negro, liderando uma das maiores organizações LGBTQIA+ do país ou como a deputada federal Erika Hilton, uma travesti negra, ocupando espaços de protagonismo, visto que boa parte das organizações LGBTQIA+ espalhadas pelo país são lideradas por pessoas brancas.
De acordo com Claudio, o número de pessoas pretas ou pardas na parada do orgulho LGBT do Rio de Janeiro cresceu nos últimos 10 anos. Hoje em dia, de acordo com o ativista, cerca de 60% das pessoas presentes são negras.